O novo coronavírus chegou a nossa vida como um tsunami. Provocou profundas mudanças ao nosso cotidiano, impactando a forma como trabalhamos, vivemos e nos relacionamos. Acabou com o trabalho de muitos e trouxe luto a tantos outros pela perda de pessoas queridas. Era esperado que esse inimigo invisível causasse impacto na nossa saúde mental.
Desde o início da pandemia de Covid-19, a opinião dos especialistas da área médica e de saúde mental era de que provavelmente haveria uma onda de casos de depressão, ansiedade e outros transtornos, levando ao aumento do comportamento suicida.
Afinal, os riscos estavam por todo lugar: medo de ser infectado, isolamento e distanciamento social, solidão, interrupção de atendimento e acompanhamento médico e psicológico, violência doméstica, consumo maior de álcool e drogas, incertezas… e muitos outros fatores.
Entretanto, apesar dos temores, vários estudos não confirmaram aumento na taxa de suicídios e nem mesmo uma expressiva piora de transtornos depressivos e de ansiedade. Veja a seguir alguns deles:
- Prevalência e fatores de risco de sintomas e diagnósticos psiquiátricos antes e durante a pandemia de Covid-19: achados da coorte de saúde mental ELSA-Brasil Covid-19.
Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) realizaram essa pesquisa, publicada em abril de 2021 na Cambridge Core (plataforma de conteúdo acadêmico da Cambridge University, do Reino Unido), junto a mais de 2 mil pessoas, que fazem parte do Estudo Longitudinal da Saúde do Adulto (ELSA). Elas foram acompanhadas de maio a dezembro de 2020; e os sintomas psiquiátricos e de transtornos mentais foram comparados com avaliações da ELSA em períodos de 2008 a 2018. A conclusão foi que “nenhuma evidência consistente de agravamento da psicopatologia relacionada à pandemia em nossa coorte foi encontrada. De fato, os sintomas psiquiátricos diminuíram ligeiramente ao longo de 2020“. Os transtornos depressivos não tiveram grande oscilação; e os de ansiedade diminuíram de forma significativa. - Tendências de suicídio nos primeiros meses da pandemia de Covid-19.
Publicado também em abril de 2021, mas na revista The Lancet Psychiatry, esta meta-análise (técnica que combina a análise de várias pesquisas), apontou que não houve aumento significativo nas taxas de suicídio nos primeiros meses da pandemia. Essa análise foi realizada por integrantes da International Association for Suicide Prevention, a partir de dados coletados entre abril e julho de 2020, de 21 países de alta e média-alta renda. Em parte desses países, inclusive, houve redução, conforme evidências estatísticas. Do Brasil, entraram dados de Maceió (AL) e Botucatu (SP). - Uma revisão sistemática e meta-análise de estudos de coorte longitudinais comparando a saúde mental antes e durante a pandemia de Covid-19.
Pesquisadores dos departamentos de psicologia da University of Liverpool, no Reino Unido, e da Maynooth University, na Irlanda, fizeram uma meta-análise de 65 estudos, a maioria da Europa e dos Estados Unidos. O relatório preliminar está disponível no medRxiv, desde março de 2021. Eles constataram que houve, de fato, um pequeno aumento nos sintomas de saúde mental logo após o surto da pandemia Covid-19, em março de 2020. Mas os sintomas diminuíram, chegando em meados do ano passado aos mesmos níveis da pré-pandemia. - Prevalência de transtornos mentais, ideação suicida e suicídios na população em geral antes e durante a pandemia de Covid-19 na Noruega.
Esse estudo, publicado em fevereiro de 2021 na The Lancet Regional Health – Europe, acompanhou cerca de 2 mil pessoas na Noruega. Este encontrou redução nos transtornos mentais no início da pandemia. De março a maio de 2020 ocorreram 140 suicídios (a média desse mesmo período de 2014 a 2018 era de 165). Entretanto, nos meses seguintes os resultados sugeriram uma estabilidade, ou seja, os níveis de transtornos mentais, ideação suicida e mortes por suicídio durante os primeiros seis meses da pandemia foram similares na comparação com os níveis pré-pandêmicos. - Avaliação de suicídio no Japão durante a pandemia de COVID-19 versus anos anteriores.
A pesquisa, capitaneada por pesquisadores de Tóquio, foi baseada em dados oficiais da mortalidade por suicídio no Japão. Publicada na JAMA Network, da Associação Médica Americana, ela mostrou que, entre os homens, não houve alteração nas taxas de suicídio de abril a setembro de 2020, comparativamente aos mesmos meses de 2016 a 2019, mas cresceu em outubro e novembro. Já entre as mulheres, as taxas de suicídio aumentaram de julho a novembro. “Os aumentos relativos foram particularmente pronunciados entre homens com menos de 30 anos e mulheres com menos de 30 e entre 30 e 49 anos”, concluiu o estudo.
No consolidado de 2020, os suicídios masculinos no Japão tiveram uma ligeira queda; já os femininos aumentaram quase 15%. A maior alta da taxa de suicídio entre as mulheres japonesas foi registrada em outubro de 2020, que foi de 70% acima do mesmo mês de 2019. Em setembro, a atriz Yuko Takeuchi, de 40 anos, se suicidou, o que deve ter causado o fenômeno de imitação, segundo o governo japonês.
Maior cuidado com a saúde mental?
Talvez as previsões iniciais e tantos destacando a importância de cada um cuidar de sua saúde mental possam estar por trás de as taxas de suicídio não terem tido um boom, conforme diversos estudos, exceto o que ocorreu no Japão e provavelmente em outras partes do mundo em que as estatísticas não tenham sido divulgadas.
Tudo indica que as pessoas se mostraram resilientes, ou seja, com capacidade de ficarem calmas diante de toda adversidade proveniente da pandemia. Também muitos passaram a cuidar melhor de si mesmos, de uma forma geral, dando mais atenção à alimentação, praticando atividades físicas e outras de lazer.
Ajuda e apoio ao outro na pandemia
Durante este período com a Covid-19 também foram criados vários aplicativos com a proposta de ajudar pessoas que precisam desabafar, além de inúmeras iniciativas particulares e voluntárias com foco em apoio que vimos surgir.
A maior entidade dedicada a isso, o Centro de Valorização da Vida (CVV), informou que foram atendidas 3,13 milhões de ligações em 2020 – no ano anterior foram 2,98 milhões. O CVV contou com a participação de quase 3 mil voluntários.
Não ter tido uma explosão de comportamentos suicidas na maior parte do mundo é bom, mas precisamos ter cautela e esperar por resultados da pandemia no longo prazo. Afinal, ainda não sabemos como está o comportamento suicida em 2021 e por quanto tempo o novo coronavírus – e suas variantes – ficará entre nós.
Um termômetro pode ser o número de ligações que o CVV tem recebido. No relatório do segundo trimestre de 2021 (abril a junho), houve um aumento de 20% na média de ligações, o que evidencia a maior procura por ajuda.
Nem mesmo 1 suicídio é aceitável
Para finalizar, transcrevemos o que Louis Appleby, professor de psiquiatria da Manchester University, no Reino Unido, escreveu em um artigo no BMJ, provedor global de conhecimento em saúde:
“Um ano após o início da pandemia, quais são as evidências? A resposta curta é que houve pouco efeito. Mas é mais complexo do que isso, como sempre acontece com as estatísticas de suicídio. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que os gráficos e figuras que são usados para responder a esta pergunta não são dados secos. Eles representam vidas reais perdidas, famílias reais devastadas. Nenhuma taxa de suicídio, seja alta ou baixa, subindo ou descendo, é aceitável.”
E está muito longe de ser pouca coisa: cerca de 800 mil se suicidam por ano em todo o mundo. Por isso, o momento é de continuar com os novos bons hábitos adotados desde o ano passado e adotar novos que garantam sensação de felicidade. E, se alguma dor parecer insuportável, não hesite em pedir ajuda!
Fontes:
https://www.bmj.com/content/372/bmj.n834
https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.03.04.21252921v1
https://www.thelancet.com/journals/lanepe/article/PIIS2666-7762(21)00048-X/fulltext#tbl0005
https://jamanetwork.com/journals/jamanetworkopen/fullarticle/2775740